Notícia: “A nossa prática pedagógica tradicional acentuava as desigualdades”

“A nossa prática pedagógica tradicional acentuava as desigualdades”

Gestão inclusiva

Lúcia Cristina Cortez de Barros Santos, gestora escolar de Manaus (AM), é um dos destaques do Prêmio Educador Nota 10 deste ano. Diretora da Escola Municipal Professor Waldir Garcia há 15 anos, ela encontrou na gestão democrática a chave para uma Educação Integral inclusiva e engajadora.

A escola atende estudantes do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental e há 10 anos se destaca por receber alunos vindos do Haiti, Venezuela, Canadá e outros países, além de realizar um trabalho de inclusão de estudantes com deficiência.

Em 2016, a instituição se tornou a 1ª escola de Educação Integral de Manaus (AM) e no ano seguinte foi indicada pelo CEFA (Coletivo Escola Família do Amazonas) como escola transformadora. O sucesso do ensino é uma construção que vem sendo feita há anos até chegar ao Prêmio Educador Nota 10 de 2020.

Uma mulher branca, loira, de óculos de grau, colar e blusa verde
Lúcia Cristina Cortez de Barros Santos, Educadora Nota 10 – 2020 (Foto: Acervo Pessoal)

Futura: Como surgiu a ideia do projeto pedagógico “Acolher para todos envolver e aprender”?

Lúcia Santos: O projeto surgiu a partir de uma grande demanda por matrícula para crianças estrangeiras com deficiência e alta vulnerabilidade social. A partir desse desafio de efetivar a inclusão escolar e garantir o direito a todos de aprender, sem deixar nenhum para trás, refletimos sobre a necessidade de repensar a nossa prática pedagógica tradicional que acentuava as desigualdades, e mudar para uma gestão democrática e participativa, seguindo os princípios da educação integral.  

Futura: No dia a dia, como funciona o projeto? Como se dá uma gestão democrática da escola e como pode influenciar positivamente o futuro desses estudantes?

Lúcia Santos: Trabalhamos com metodologias ativas, colocando o estudante no centro do processo, respeitando sua singularidade, cada um tem seu tempo e ritmo, e sua diversidade também. Incentivamos o protagonismo, a criatividade, a empatia e o trabalho em equipe.

Assim exercitamos a democracia e influenciamos para formarmos cidadãos mais críticos, reflexivos e participativos. Que sejam responsáveis consigo mesmos e com o mundo. Que possam ser agentes transformadores na sociedade.

Aspas

Uma gestão inclusiva e democrática prioriza o coletivo em todas as instâncias, cria espaços de escuta e de diálogo em toda escola, envolve todos nas tomadas de decisões.

Lúcia Santos

Aspas
Imagem da fachada de uma escola municipal, nas cores branca e azul
EMEF Prof. Waldir Garcia – Foto: Acervo

Futura: Como foi o processo para implantar esse projeto pedagógico na escola? E a recepção dos alunos e professores? Houve um período de adaptação?

Lúcia Santos: Para implantarmos o projeto iniciamos com estudos coletivos sobre a concepção de educação integral e seus princípios. Em seguida, viajamos para São Paulo para conhecermos escolas que já trabalhavam com práticas inovadoras. Trocamos as carteiras por mesas redondas, acabamos com as filas, criamos as tutorias e os roteiros de estudos, construímos os projetos de vida e iniciamos as assembleias para as tomadas de decisões no coletivo. A recepção por parte dos alunos foi muito boa.

Aspas

Eles vibraram com as mudanças na proposta pedagógica. Era tudo que eles sonhavam: uma escola contemporânea, que atendesse às competências do século XXI. Esta nova Escola era a cara deles.

Lúcia Santos

Aspas

Tinham autonomia para ir e vir, conversar e opinar. Podiam interagir com os colegas e professores. Descobriram novos territórios de aprendizagem. Para os professores foi muito difícil a mudança. Romper com o tradicional, mudanças atitudinais e quebrar paradigmas – foi um processo doloroso. Tivemos os meses iniciais de adaptação e de muita avaliação e resiliência para darmos continuidade ao projeto de gestão inclusiva e participativa.

Uma menina está em pé em um ginásio de escola segurando um microfone com a mão direita e falando com outras dezenas de crianças, que estão sentadas à sua frente, espalhadas pelo chão do ginásio
Estudantes da EMEF Prof. Waldir Garcia em assembleia – Foto: Acervo Pessoal

Futura: Como foi a recepção dos pais e familiares? Você acredita que, ao participar deste projeto pedagógico, o estudante muda a forma de ver a vida em sociedade e isso pode influenciar em como aquela família atua na sua comunidade?

Lúcia Santos: No início, os pais e familiares não reagiram bem. Disseram que a escola estava muito bagunçada e desorganizada. Queriam como era antes, com muita disciplina e organização. Conversamos, expliquei os objetivos do projeto e pedi um voto de confiança. Iríamos continuar com as ações propostas e iríamos avaliando no decorrer do processo.

Com certeza, com o envolvimento dos funcionários, familiares, estudantes e comunidade do entorno nas atividades da escola, podendo participar ativamente do processo ensino aprendizagem e compartilhando responsabilidades, o projeto pedagógico “Acolher para todos envolver e aprender” trouxe grandes benefícios para que todos possam ser mais atuantes na comunidade em que vivem. É um exercício de cidadania. Trabalhamos a cultura colaborativa em uma gestão inclusiva, onde priorizamos o coletivo e o senso de responsabilidade para com o outro e o meio em que vivem.

Aspas

Serão sujeitos atuantes no seu território, o que impactará positivamente na sociedade com mudanças significativas.

Lúcia Santos

Aspas
Crianças brincando com elásticos brancos em um gramado
EMEF Prof. Waldir Garcia – Foto: Acervo Pessoal

Futura: No projeto, cada estudante elege um tutor e participa de assembleias. Como surgiu essa ideia?

Lúcia Santos: A ideia do tutor surgiu ao visitarmos a Escola Amorim Lima, em São Paulo. Nos inspiramos naquela experiência, mas adaptamos para a nossa realidade. Queríamos estabelecer uma relação de confiança, um vínculo afetivo entre tutor e tutorado e que pudéssemos acompanhar e dar atenção individualmente para todas as crianças.

As assembleias acontecem uma vez por semana, na qual discutimos uma pauta que as crianças trazem. Após as discussões dos assuntos importantes serem concluídas, os estudantes fazem propostas para resolverem os problemas. Votamos e o que é aprovado é colocado em prática.

Futura: Como o corpo docente tem avaliado os resultados desse projeto na sala de aula? O que mudou?

Lúcia Santos: A avaliação tem sido muito boa nos diversos territórios de aprendizagem, pois essas mudanças favoreceram muito para envolver e garantir o direito de uma aprendizagem significativa a todos e a todas, sem distinção, respeitando as diferenças e oferecendo igualdade de oportunidades.

“Hoje vivemos uma educação inclusiva, equitativa e de qualidade. Mudamos toda a prática pedagógica da escola, melhoramos a educação e transformamos vidas. Somos reconhecidos e valorizados pelo ensino de excelência, onde aprendemos e valorizamos as diferenças.  Recebemos a nota 7,5 no IDEB em 2019.”

Três crianças estão lado a lado cortando cenouras em uma grande mesa de cozinha. As crianças estão com toucas de cozinha e aventais amarelos
Alunos da EMEF Prof. Waldir Garcia – Foto: Acervo Pessoal

Futura: Qual a importância de estabelecer vínculos, engajar e democratizar as relações no ambiente escolar?

Lúcia Santos: Precisamos engajar e democratizar as relações nos ambientes escolares, pois aprendemos mais quando somos valorizados, respeitados e amados. É através dessas relações horizontais que adquirimos confiança e nos sentimos seguros para perguntar, propor e aprender entre os pares. Há mais interação e colaboração, o professor passa a ser um mediador. Ele ensina e aprende. A escola passa a ser um ambiente mais humanizado com uma gestão inclusiva, com relações mais prazerosas, onde exista muito amor, respeito e tolerância.

Futura: Em tempos de pandemia, por conta do novo coronavírus, que sugestões e dicas você daria para as(os) colegas que se veem diante do desafio de trabalhar uma educação integral de forma remota?

Lúcia Santos: Neste período de pandemia eu sugiro para meus colegas que se veem diante do desafio de trabalhar uma educação integral de forma remota que trabalhem o vínculo afetivo, o engajamento familiar, a empatia; não caiam na armadilha do conteudismo.

Precisamos valorizar os territórios dos saberes e fazeres das crianças, suas experiências de vida. Temos que estabelecer uma rede colaborativa e conectada com as famílias, estudantes e funcionários. Articular com os postos de saúde, igrejas, comércio e demais comunitários do território. Trabalhar com parcerias e intersetorialidade para compartilharmos a educação.

Cinco crianças estão brincando em uma mesa branca dentro de uma sala, que parece ser de artes.
EMEF Prof. Waldir Garcia – Foto: Acervo Pessoal

Sobre o Prêmio Educador Nota 10

O Prêmio Educador Nota 10 foi criado em 1998 pela Fundação Victor Civita que, desde 2014, realiza a premiação em parceria com Abril, Globo e Fundação Roberto Marinho.

Reconhece e valoriza professores da Educação Infantil ao Ensino Médio e também coordenadores pedagógicos e gestores escolares de escolas públicas e privadas de todo o país.

O Prêmio tem o patrocínio da Fundação Lemann, SOMOS Educação e BDO, e o apoio da Nova Escola, Instituto Rodrigo Mendes e Unicef. Desde 2018, o Prêmio Educador Nota 10 é associado ao Global Teacher Prize, prêmio global de Educação.

Ao longo das últimas 22 edições, foram recebidos mais de 75 mil projetos, e foram premiados 241 educadores, entre professores e gestores escolares, que receberam aproximadamente R$ 2,6 milhões.

Acesse os conteúdos Futura

Na TV:

Não perca a programação do Futura na sua TV. Você pode conferir nas principais operadoras do país pelos seguintes canais:

Sky – 434 HD e 34
Net e Claro TV – 534 HD e 34
Vivo – 68HD e 24 fibra ótica
Oi TV – 35

Na web:

Globoplay
Site do Futura
Facebook
Youtube
Tik Tok
Instagram
Twitter

Ajude o Telecurso a evoluir

O que você achou desse conteúdo?