Artigo: Educação domiciliar é ilusão de ótica temerária

Educação domiciliar é ilusão de ótica temerária

A família é fundamental para o processo de aprendizagem. Mas não deve ser sinônimo dele.

Nesse sentido, a aprovação pela Câmara do projeto de lei que regulamenta a educação domiciliar no Brasil pretende solucionar um problema que não existe. Se por um lado coloca em segundo plano a importância da escola republicana laica, universal e gratuita que ganhou força na década de 1930, por outro cria uma ilusão de ótica sobre a solução de questões que ela não tem capacidade de solucionar, como a violência urbana e a falta de capacitação docente.

Trata-se de uma cortina de fumaça política utilizada em ano eleitoral para desviar a agenda social de pontos que deveriam estar na ordem dia dia, como a inoperância do MEC com relação ao atraso de aprendizagem e desenvolvimento sócio-emocional sofrida pelos estudantes durante a pandemia ou a falta de empenho do órgão para acelerar a implementação da BNCC (Base Nacional Comum Curricular) e BNC-Formação (Base Nacional de Formação De Professores).

Ao procurar solucionar questões estruturantes e sistêmicas da educação pública no Brasil, a educação domiciliar pode atrapalhar pontos importantes:

  • Evasão escolar e aumento da exclusão: os índices rede evasão cresceram muito após a pandemia; a complexidade de implementação do acompanhamento público do projeto pode estimular o uso da educação familiar como uma “evasão justificada”.
  • Negligência da escola como um espaço de convívio: as habilidades socioemocionais, fundamentais no momento de retomada presenciais, bem como o convívio com a diversidade de opiniões e ideais. Escola não pode ser resumida a conteúdo.
  • Aumento da desigualdade no Brasil: alunos com mais recursos terão melhores aprendizados em casa, pois contam com mais estrutura física, de conexão e contarão com tutores mais bem preparados. Em médio prazo, o acesso aos melhores trabalhos e à renda ficarão restritos às famílias mais ricas.

De maneira sedutora, a educação familiar tem surgido como panaceia para questões estruturais da educação brasileira envolta numa atmosfera miraculosa onde o desenvolvimento tecnológico resolveria tudo – e se valido do exemplo distorcido de países que teriam apostado nisso. Tida como “optativa”, esconde uma faceta mais perigosa: se tornará mais robusta para quem dispuser de mais dinheiro.

Não existe país algum no mundo que se desenvolveu com base na educação domiciliar. Ela, sim, cresceu em alguns deles após estes terem atingido universalização e relativa equidade social na  educação pública, como Reino Unido e França. O chamado “homeschooling” representa 3% do que é aplicado como ensino básico dos Estados Unidos, por exemplo. Está presente em 63 países. Na Austrália e Canadá, outro caso, segue ativo em regiões de difícil acesso para professores e chegada de materiais, como no deserto ou em áreas com temperaturas extremas.

A vida familiar é fundamental na rede virtuosa que representa os espaços e momentos de aprendizagem de jovens e adolescentes. Pode representar o amadurecimento emocional, a criação de um código de ética ou a descoberta de emoções . É um eixo estruturante mas, jamais, deve ser o único.

O que as pesquisas apontam é que uma aposta em educação domiciliar em uma país com tanta desigualdade como o Brasil é um “desconvite” à criança e ao jovem frequentarem a escola (que é um direito), Além de um passo muito próximo ao abismo econômico e social que, parece, perdemos o medo de dançar bem pertinho da borda.

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