Artigo: O Direito à Cidade - Travessias e Atravessamentos

O Direito à Cidade - Travessias e Atravessamentos

117 KM esse era o tamanho, aproximadamente, da minha travessia diária no início da faculdade. 

Atravessar a cidade pegando ônibus, trem, metrô e ainda precisar andar não era apenas a minha realidade, é, ainda hoje, a realidade de inúmeros jovens das periferias das cidades que ousam sonhar com algo diferente. 

Ver o dia nascer na brecha da janela do transporte público é entender que, como diz Emicida, muitas vezes o sol só vem depois. 

Hoje, a travessia “cidade” - Campo Grande não exige mais tantos meios de transporte, mas me traz uma série de sentimentos. Atravessar a Avenida Brasil me traz, muitas vezes, um choro que parece preso na garganta há muito tempo e que só agora encontrou espaço para desaguar.  

Uma angústia de perceber que a cidade não é para todos, e que por muito tempo não foi pra mim, que existem cidades dentro das cidades e que pra grande maioria da população está tudo bem ser assim

Direito à Cidade

Minha angústia é de saber que o direito à cidade, que é um direito humano, é violado todos os dias e achamos que tudo bem. Achamos tudo bem não ter metrô direto da Pavuna para a zona sul aos finais de semana, achamos tudo bem pararem os ônibus do Jacaré no verão e retirar todos os jovens negros, achamos tudo bem falar em uma rede social que as praias deveriam ser pagas para evitar arrastões, entre outras coisas. Essas são apenas algumas das muitas outras barbáries que são ditas em nome da segurança pública e da manutenção da cidade - privilégio. 

Uma foto tirada no interior de um ônibus

A minha angústia é sentir a simpatia seletiva e elitista do carioca que só vai olhar para a periferia durante o Carnaval, que é quando fica cool ir ao bloco no subúrbio. 

Minha vida é composta por atravessamentos e grandes travessias, cresci andando de carro com meu pai enquanto ele atravessava a cidade trabalhando.  

Meu pai que estudou até a oitava série e que me ensinou muito cedo que a vida é para aqueles que têm "coragem” de atravessar a cidade e as estatísticas. 

Se Caetano vai cantar que alguma coisa acontece em seu coração quando ele cruza a Ipiranga com a Avenida São João, eu canto que alguma coisa acontece no meu coração ao cruzar a Avenida Brasil.  

Alguma coisa acontece quando cruzamos a linha do preconceito e atravessamos a cidade, alguma coisa acontece quando retiramos o filtro colorido e conseguimos ver a fratura exposta que a desigualdade social proporciona na nossa cidade. Alguma coisa está acontecendo agora e espero que você possa sentir.

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