Artigo: Deveria a educação midiática tornar-se um Direito Humano universal?

Deveria a educação midiática tornar-se um Direito Humano universal?

Há uma discussão sempre latente, sobretudo no âmbito da Organização Das Nações Unidas (ONU), sobre agregar mais direitos às conquistas universais que foram se acumulando pós 1948, quando a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi aberta ao mundo - após um período de duas grandes guerras cujas feridas são difíceis de serem esquecidas.

Os trinta artigos da Declaração serviram desde então como um diapasão para a ética social - sobretudo no mundo ocidental. É comum hoje a crença popular de que os Direitos Humanos não saíram do papel; pelo contrário, há muito o que se comemorar em 10 de dezembro, o Dia Internacional dos Direitos Humanos.

Para um mundo então em frangalhos, a Declaração foi uma espécie de reconstrução de valores laicos e universais sobre os quais qualquer desejo de reestabelecimento de leis, crescimento econômico, desenvolvimento político, acesso a educação ou estabelecimento de uma balança de poder internacional (termo diplomático vigente à época) poderia se equilibrar.

Hoje, no mundo, os Direitos Humanos não são apenas evidentes em campos legais e constitucionais ligados a este exato termo. Seus valores se espalharam culturalmente por leis, dispositivos, parâmetros, ações e pensamentos que englobam outros aspectos do convívio social. Eles regem o princípio de harmonia entre diferentes culturas e seus diálogos possíveis. A questão ambiental e sua conexão com o desenvolvimento, tomando aqui um exemplo simples, começa a ser colocada na esfera da agenda pública a partir desse debate.

Imagens de um protesto com uma placa escrito "No Justice No Peace" em destaque

A Declaração de 1948 trata de valores básicos para a humanidade, como o direito à vida, integridade e educação. Entretanto, na história dos Direitos Humanos, em particular na visão do cientista político Kasel Vasak, essa seria uma segunda geração, marcada pelo campos social, econômico e cultural.

A primeira teria sido introduzida anteriormente pela criação do estado liberal, marcada pelos direitos civis e políticos a partir do século 15. Uma terceira geração, entretanto, estaria conectada à fraternidade, surgida com a obtenção de direitos ligados à qualidade de vida, sobretudo pós 1972. Liberdade, Igualdade e Fraternidade, os lemas da Revolução Francesa, inspiraram Vasak - há quem discorde dele evitando falar em gerações, mas usando o conceito de “dimensões”.

O fato é que mesmo após a terceira geração (década de 1970) o mundo mudou e muito. Não há, por exemplo, nenhuma menção explícita aos meios digitais em qualquer artigo ou direito universal criado até então. O campo da AMI (Alfabetização Midiática e Informacional), que é como a UNESCO (Organização das Nações Unidas para Educação Ciência e Cultura) conceitua o que chamamos aqui de educação midiática, também não se cristalizou nesses documentos.

Portanto, há uma provocação que deve e pode ser pensada por grupos de estudantes e educadores, inclusive no ambiente escolar: há a necessidade da educação midiática se tornar um direito humano universal em si?

O direito universal à educação de qualidade por um lado, e os direitos á liberdade de expressão, de imprensa e de comunicação por outro, foram se desenvolvendo pós 1948 sem necessariamente estarem explícitos em artigos específicos. Mesmo assim, há uma corrente de articuladores que frente a criação de um quarta geração de Direitos Humanos, que seriam aqueles ligados à cibercultura, ciberespaço e questões conectadas à educação midiática.

Outras declaraçōes universais

Nesse debate, é importante lembrarmos que uma série de outras declarações internacionais, assim como parâmetros de lei, que correram em um caminho paralelo no que diz respeitos à integração dos campos da educação, comunicação e tecnologia.

A declaração de Grunwald (Alemanha, 1982) é um marco inicial da confluência dessas áreas e sublinha a importância de educadores, comunicadores e sociedade civil orquestrarem juntos planos no campo da educação e ética para a mídia. Foi esse marco que deu origem, há dez anos, à declaração de Fez (Marrocos), em que a UNESCO define e reconhece o termo AMI. E que possibilitou, por sua vez, que as Nações Unidas reconhecessem no ano passado a Semana Global da Alfabetização Midiática e Informacional em seu calendário oficial.

Em tempos de aprimoramento do metaverso (o mundo híbrido e imersivo em que viveremos cada vez mais, tais quais em games como o Fortnite ou  Minecraft) é urgente saber como regular e garantir nossos direitos e como balizar nossa cidadania. Entretanto, uma nova e exclusiva geração de Diretos Humanos dedicada a esse tema pode soar um pouco específico demais para um mundo que tende a se tornar cada mais mais complexo e integrado.

Não há uma única resposta correta para a provocação. O que é fundamental é acompanhamos o desenvolvimento dos direitos e deveres da cidadania digital e da educação midiática e garantirmos que esses se reflitam em políticas públicas nacionais e locais. Por sua vez, esse é um tema para a escola, família e comunidade. O cuidado exigido é para que o tema não se enrosque burocraticamente em um novelo jurídico internacional que acabe por desviar o principal foco de atenção: uma sociedade educada midiaticamente.

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