Artigo: Dois bilhões de sites e seis mil satélites: onde está a aprendizagem?

Dois bilhões de sites e seis mil satélites: onde está a aprendizagem?

Pouco me surpreendi com a pergunta do meu filho de oito anos - que surgiu como um trovão num dia ensolarado: a obsidiana seria uma “pedra” que se forma quando o magma vulcânico se esfria rapidamente? Não era a primeira vez que ele questionava algum assunto que me lembro ter aprendido somente nos anos finais do ensino fundamental. - se é que aprendi. Mas, como geologia não é meu forte, fui pesquisar.

Na verdade, o que o Theodoro fez foi aprender sobre minerais no game Minecraft. Aliás, tem compreendido também noções de geometria na prática quando decide “criar um novo mundo” no jogo.

Apesar de prosaica, essa historieta familiar revela muito sobre o tempo que vivemos. A ubiquidade potencial da aprendizagem - em outras palavras, aprender é possível a toda hora e em todos os lugares - é uma das oportunidades mais incríveis que a história da educação já apresentou. Mas para transformar o que é potencial em real é preciso desenvolver habilidades específicas. Sem elas, não somente não há aprendizagem significativa, como pode haver mais confusão do que clareza.

Uma criança escrevendo em um caderno

Esse é o principal axioma do que costumo chamar Idade Mídia. Quando desenvolvi um projeto educativo no começo dos anos de 2000 com esse nome estava lendo muitas obras do escritor e bibliófilo italiano Umberto Eco, e fiquei com a impressão que "roubei” dele esse termo. Fui pesquisar, mas nunca consegui confirmar a subtração. Aliás, essa é uma outra característica contemporâneo: a simultaneidade. O fluxo de informações da Idade Mídia permite a criação simultânea de conceitos sem a necessidade de uma troca física entre pesquisadores, por exemplo.

Nas pesquisas que realizo, a Idade Mídia é uma espécie de cegueira às avessas. É a impossibilidade de visão e clara frente à tanta luz; essa é a brincadeira do paradoxo com Idade Média, a conhecida “idade das trevas” quando o conhecimento era basicamente excludente e hermético. Ao contrário, a cegueira da contemporaneidade é branca e leitosa, tal qual a imaginada pelo escritor José Saramago. Vivemos hoje uma verdadeira “Las Vegas” da informação!

Mas como se tornar um aprendiz se o excesso de signos pode confundir e nos afogar? Como não se tornar ansioso com tanta informação, como definiu o arquiteto norte-americano Richard Wurman?

Selecionar, analisar, conectar, gerar sentido e participar. Esses cinco verbos escondem uma série de habilidades que podem fazer da Idade Mídia um tempo de mais oportunidade de aprendizagem, do que risco e desperdício. O próprio Wurman apresenta em um de seus livros um estudo da década de 1990 que mostra que uma edição dominical do jornal The New York Times continha mais informação que um simples mortal teria acesso durante a vida toda na Inglaterra do século XVII.

Uma foto de Alexandre Sayad
Alexandre Sayad é jornalista, educador, apresentador da série "Idade Mídia" e colunista do site do Futura. Foto: Divulgação

A realidade é hoje ainda mais complexa e excessiva. Por exemplo, há mais de seis mil satélites em órbita coletando e projetando informações sobre cada um de nós. Segundo a Internet Live Stats, quase dois bilhões de websites nos inundam de informação todos os dias.

O papel da educação formal, o currículo e a escola, é central no desafio da compreensão. Em primeiro lugar, deve manter viva e desenvolver nossa curiosidade; ela é como uma guia de aprendizagem durante a vida. Segundo, deve desenvolver habilidades de domínio das narrativas, para compreendermos como as diversas histórias compõem nossa mitologia contemporânea. Terceiro, deve auxiliar no aperfeiçoamento digital de pesquisa, fluência e produção cultural digital. Quarto, e não menos importante, deve expandir as dimensões éticas e estéticas para além do mundo físico - isso inclui também o exercício ativo da cidadania.

Por exemplo, foi somente exercendo minhas habilidades de pesquisa digital que que consegui responder ao meu filho; a obsidiana não é uma pedra, mas um cristal. E sim, ela forma da lava consolidada. No final, acabei aprendendo junto com ele.

A urgência para o tema da educação para as mídias, ou educação midiática, vem do fato que da realidade não se é possível escapar. Implacável, a onipresença midiática coloca em xeque toda e qualquer ortodoxia ou pureza de correntes pedagógicas em nome de algo que não seja os desafios do nosso cotidiano. Afinal, é nele que nos encontramos, construímos nossa identidade, interagimos e desenvolvemos arte e ciência.

Além disso, se não tratados com políticas públicas adequadas, os desafios da lida com as mídias pode ampliar ainda mais o fosso das desigualdades educacionais no Brasil, e no mundo.

Para tratar da imensidão desse universo, todo mês, aqui nesta coluna, vou procurar explicitar o papel importante dessa rede multidimensional composta por escola, família, comunidade e mídia para lidar com esses tempos confusos e abundantes. Analisando pesquisas, explorando histórias reais e desbravando caminhos para que a educação de qualidade esteja acessível a todos.

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