Delimitações territoriais, inovação e empreendedorismo
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Você já parou para pensar em como seu CEP influencia na forma como você pode ou não empreender?
Mas antes de começarmos essa conversa, deixa eu fazer aqui uma prosa sobre como as tecnologias também têm impacto nisso.
O desenvolvimento tecnológico desenfreado ocorrido no século XX refletiu de forma significativa nas estruturas de nossas sociedades através da formação de novas lógicas territoriais, novos arranjos espaciais e de novas formas de apropriação, uso e controle do espaço geográfico. Transporte, comunicações, produção e consumo transformaram-se em um ritmo acelerado de integração, e o avanço da internet ainda possibilita vencer barreiras geográficas que antes se faziam intransponíveis – agora os territórios se conectam diretamente de forma virtual.
Entretanto, essa integração entre o progresso técnico e sua difusão em territorialidade é bastante seletiva. É importante compreender que a mudança tecnológica se dá dentro de um contexto territorial; a proximidade territorial é, de certo modo, causa e não resultado da mudança tecnológica. Historicamente, tecnologias são desenvolvidas para buscar soluções de problemas cotidianos. Desde o desenvolvimento das ferramentas de caça do homem pré-histórico, passando pelas pirâmides do Egito, os aquedutos da Grécia Antiga, navios das grandes navegações, ocas indígenas na Amazônia, ou a própria informática; toda experiência humana em desenvolvimento de tecnologias esteve atrelada aos limites impostos pela própria geografia dos territórios.
Portanto, é lógico inferir que territórios desfavorecidos possuem, historicamente, uma precariedade no acesso a recursos tecnológicos que facilitam e aceleram o domínio do território, seja ele físico ou virtual. Nesse sentido, é necessário rever os processos de inovação, compondo-os em sua lógica territorial.
Os marcos teóricos sobre inovação explicam que para, de fato, ser considerada disruptiva, ela deve ser acessível em termos de uso e de custos. Portanto, grandes ideias que possuem custo elevado não são necessariamente disruptivas. Apresentam-se como ferramentas de domínio do território e seus grupos sociais, ou meros brinquedos de bilionários que curtem visitar a estratosfera – território onde devem residir suas noções de realidade.

Para se dizerem disruptivos, é importante que os agentes de inovação possuam atenção às especificidades de seu território. Sem uma compreensão bem definida de quais são os principais desafios que o território apresenta, e como integrar os eixos territoriais com maior precariedade no acesso de soluções já existentes, a inovação continua sendo o retrato de nossas estruturas de opressão, coerção e domínio.
A precarização do acesso a soluções tecnológicas – e aqui podemos estar discutindo apenas saneamento básico e não smartphones potentes – é também a precarização do território em si, criando barreiras que impedem que indivíduos alcancem seu potencial enquanto cidadãos - em alguns graus, até mesmo como ser humano. Ora, não é possível falar de dignidade e qualidade de vida sem a lógica territorial. É possível ainda compreender que territórios com maior diversidade de desafios são também mais propensos a desenvolverem tecnologias disruptivas.
Também é necessário ressaltar que o termo inovação ganhou, nas últimas décadas, um espaço de privilégio por si só. A lógica academicista de se pensar inovação e tecnologia escondeu o foco primordial de ambos os termos, elitizando a percepção desses conceitos. Grupos historicamente marginalizados hoje enfrentam, além de financeiro e de acessibilidade, o desafio territorial da inovação em seu âmbito social. Ignorantes do conhecimento que carregam em suas vivências, não sabem que são agentes de inovação e produtores de tecnologia em primeira mão. Podem ser, portanto, os protagonistas de sua própria dominação do território que os circunda.
E você, me conta ai como andam os corres no seu território, na sua quebrada?