Notícia: Estudantes de Cavalcante/GO se formam no Ensino Fundamental I pelo “Projeto Tecendo Saber – Alfabetização e Família”, voltado para a Educação de Jovens e Adultos (EJA)

Estudantes de Cavalcante/GO se formam no Ensino Fundamental I pelo “Projeto Tecendo Saber – Alfabetização e Família”, voltado para a Educação de Jovens e Adultos (EJA)

Parceria entre Fundação Roberto Marinho, Secretaria de Educação de Goiás, Instituto Humanize e Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação oferece programa de escolarização básica e forma cinco turmas

Kalunga, na língua banto, significa lugar sagrado, de proteção. No quilombo Kalunga, em Goiás, local que foi reconhecido pela ONU como o primeiro Território e Área Conservada por Comunidades Indígenas e Locais (Ticca) do Brasil, a Educação também é sagrada, como demonstra o esforço de professores e estudantes em uma jornada diária e desafiadora.

É o que veremos no dia 9 de fevereiro, que vai entrar para a história de Cavalcante, onde fica o quilombo Kalunga. Às 14h30, 50 estudantes, com idades entre 35 e 85 anos, vão se formar no Ensino Fundamental I, por terem concluído os estudos ao longo de 2022 do “Projeto Tecendo Saber – Alfabetização e Família”. As aulas foram dadas por meio da metodologia Telessala, concebida dentro das ações do projeto Tecendo Saber, da Fundação Roberto Marinho, que se uniu à Secretaria de Educação de Goiás, ao Instituto Humanize e ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação para melhorar os índices educacionais do município por meio do projeto. 

A cerimônia de formatura será realizada no Centro de Referência da Assistência Social, no bairro Vila Morro Encantado, e contará com as presenças do governador Ronaldo Caiado, do prefeito de Cavalcante, Vilmar Souza Costa, do presidente da Fundação Roberto Marinho, José Roberto Marinho, do secretário geral da instituição, João Alegria, além de professores e familiares.

A festividade começa às 11h30, com um almoço para alunos e suas famílias no Espaço da Dona Jô, restaurante famoso no munícipio por sua comida popular e aprovada pelos moradores. No espaço da formatura, haverá ainda uma exposição com atividades dos formandos e uma feira com produtos da agricultura familiar, provenientes do povoado de São José, próximo à região. Ao final da cerimônia, lideranças quilombolas das cinco turmas farão uma apresentação de Sussa, tradicional dança do povo Kalunga, com a utilização de tambores fabricados na cidade. Todos os alunos e familiares que moram distante de Cavalcante terão a viagem e a hospedagem pagas para que possam aproveitar e comemorar essa nova etapa vencida.

Um mapa do Brasil com a indicação da localização de Cavalcante, munícipio do estado de Goiás

As turmas que se formam agora têm, em sua maioria, alunos que nunca foram à escola ou estavam há 20 anos sem estudar (76%), analfabetos ou que escreviam apenas o próprio nome (58%), trabalhadores do campo (82%), mulheres (58%), com idades entre 51 e 70 anos (70%), negros (79%) e na informalidade ou sem emprego (66%). As aulas aconteceram em cinco territórios (Assentamento Órfão, Kasqueiro, Engenho II/Kalunga, Vila Morro Encantado e Povoado São José).

As histórias de superação e persistência, tanto de professores quanto de estudantes, são muitas. Uma das professoras, Ana Lúcia Maia, cedeu sua casa para receber os alunos. Já a professora Domingas Moreira, é ex-aluna do Telecurso, em 2011, e hoje dá aulas no Quilombo Kalunga: “Sinto uma emoção de reconhecimento, de gratidão, ao retribuir a oportunidade que eu não deixei escapar. Porque o conhecimento é libertador. É algo que a gente vê a força de vontade deles em ter essa liberdade. Liberdade de não depender de um filho ou um desconhecido para ler alguma coisa. Participar dessa parte libertadora na vida de cada um deles é minha maior alegria”, reforça a professora.

Para chegar à escola situada em uma fazenda no território de Kasqueiro, a professora Andreia Gonçalves Lima atravessou um rio, com água nos ombros, umas dez vezes durante os períodos de cheia ao longo do ano passado: “Comecei o ano com um aluno e, à medida em que outros moradores viam o meu esforço para chegar à escola, eles começaram a se interessar pelas aulas e terminei 2022 com 15 estudantes. Moro a 10km da escola e não tinha tempo ruim que me fizesse faltar uma aula!”, conta ela que se emociona ao relatar “que o amor se expressa no olhar dos alunos, que se descobrem capazes de ler, escrever, entender e fazer contas. Isso não tem preço!”.

Dois dos pontos relevantes a serem destacados nesse processo de aprendizado em um povoado tão carente foram: levantar a autoestima e capacitar a formação identitária dos alunos: “O primeiro trabalho desenvolvido foi exatamente mostrar que todos podem aprender”, revela a professora Yunara da Silva Santos, que, entre os estudantes, um era muito especial: seu pai. S. Jaci Torquato da Silva, de 54 anos, será o representante dos alunos na formatura e, para a filha, é a realização de um sonho: “Alguém que já contribuiu tanto para a minha formação como ser humano, hoje é meu aluno. Esse retorno é muito significativo para mim”, diz ela. A filha também terá destaque na formatura, pois foi escolhida representante das professoras. “Sou da terceira geração de professoras na minha família e ensinei agora alunos que passaram pela minha mãe e pela minha avó, mas, que, por diversos motivos, acabaram abandonando a escola. Concluir essa etapa com eles e para eles, é uma honra para mim”, conta a professora. O pai confirma: “Eu estava há 36 anos fora de sala de aula e quero prosseguir estudando. Foi um grande desafio conciliar com o trabalho, mas priorizei os estudos e se formar é uma grande conquista! Além do aprendizado, melhoramos nossa autoestima no convívio com outros estudantes que vivem a mesma realidade que nós. Ter a minha filha como professora foi incrível, um verdadeiro presente.”

Seguir em frente é a lição maior que essa formatura representa para os estudantes: “Tentei voltar para a escola quatro vezes e, apesar da minha dificuldade em aprender a ler e escrever, sei o quanto essa escola me ajudou. Não vou mais desistir de estudar”, conta Rita Tartuliano, de 50 anos. “Muito bom a gente ler. Eu passo às vezes em algum lugar, tem algum nome lá que é mais difícil, com muitas letras, aí já leio. Nomes no meu celular, eu já dou conta de ler... Estou muito alegre, muito satisfeito, muito obrigado mesmo”, comemora Antônio Prado, 51 anos, um dos formandos que nunca havia frequentado escola e só sabia ler e escrever o nome.

Bernadete Rufino, pedagoga da Fundação Roberto Marinho e formadora dos professores do "Projeto Tecendo o Sabe – Alfabetização e Família", reforça o valor da metodologia “Incluir para Transformar”: “Afirmamos o alfabetizando como um ser pensante capaz de construir seu próprio saber, sendo incentivado a trilhar caminhos e vivências das diferentes fases evolutivas da escrita. Com a metodologia 'Incluir para Transformar', por meio do memorial, da leitura de imagens e do 'A Cor da Cultura', tecemos reflexões sobre algumas das inúmeras transformações que aconteceram no espaço educacional dos povoados Kalungas do município”.

Cavalcante está entre os dez municípios de maior índice de carência multidimensional de Goiás. De acordo com o “Vulnerabilidade Social dos Municípios Goianos, 2018 (IMB, 2018)”, seus cerca de 10 mil habitantes estão no nível 2 (considerado alto), o que se traduz em reduzido índice de domicílios com banheiro, água encanada, coleta de lixo e energia elétrica. O município tem ainda o maior número proporcional de pessoas extremamente pobres, menor percentual de trabalhadores com carteira assinada, maior número relativo de mães entre 10 e 14 anos e a maior taxa de analfabetismo do Estado entre a população acima de 25 anos de idade (em 2010, 34,56% eram analfabetos, conforme dados do PNUD, IPEA e FJP). Diante dessa realidade, governo e Fundação Roberto Marinho implantaram o Projeto Tecendo Saber no início de 2022, para oferecer a jovens e adultos a possibilidade de escolaridade formal do primeiro segmento do Ensino Fundamental. 

A proposta do Projeto Tecendo Saber, da Fundação Roberto Marinho, é oferecer uma educação de qualidade para reduzir a desigualdade, não apenas na participação na educação formal, mas na aprendizagem de competências básicas em leitura, escrita e em matemática. E, a partir dessa formação inicial, incentivar a continuidade dos estudos em níveis mais elevados, garantindo, assim, o acesso à educação como direito de todos.

A ex aluna Domingas e atual professora de uma das turmas revela, na prática, esse objetivo do projeto. Paralelamente, professores e coordenadores locais planejam estratégias de ensino e aprendizagem, com metodologias que permitem o aprimoramento das atividades do dia a dia e a construção de novos conhecimentos profissionais.

Serviço

  • Evento: Formatura Tecendo Saber – Alfabetização e Família
  • Data: 9 de fevereiro de 2023
  • Local:  Centro de Referência da Assistência Social 
  • Endereço: Praça Antônio Jorge N°314, Vila Morro Encantado, Centro de Cavalcante - Goiás
  • Horário: 14h30

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