Artigo: O desafio de voltar à escola

Suellen Costa, aos 15 anos, cursava uma das 3.733 escolas públicas do estado de Alagoas e tinha dificuldades em resolver cálculos matemáticos, mas adorava as aulas de literatura do seu colégio. O ano era de 2019 e ela terminou a primeira série do ensino médio com um boletim com notas mais positivas do que negativas. Em 2020, a escola não teve aulas presencialmente devido à pandemia de Covid-19 e passaram a existir iniciativas para que atividades on-line fossem feitas para os alunos. Em 2021, gradualmente, as turmas estão voltando a frequentar as carteiras escolares. Mas, Suellen não voltou.

De acordo com pesquisa DataFolha de janeiro deste ano, a jovem faz parte dos aproximadamente 4 milhões de estudantes brasileiros entre seis e 34 anos que deixaram de frequentar as aulas no ano passado. A evasão escolar na educação básica chega a 10,8% em 2020, mais do que o dobro de 2019

Suellen gostava da escola e afirma que passava parte do dia lendo na biblioteca, enquanto esperava sua irmã sair da aula para levá-la para casa. Mas, durante a pandemia, o cuidado com a irmã foi crescendo ao mesmo tempo que sua mãe passou a ter que sair para trabalhar como faxineira em um escritório cujos funcionários estavam deixando o home office. O tempo para a escola ficou mais restrito e a dificuldade de acompanhar as atividades postadas pelos professores se impôs no último semestre do ano passado. Não eram só os cálculos matemáticos que se tornaram difíceis, até o prazer pela leitura se tornou uma obrigação. 

Em fevereiro deste ano, para complementar a renda da casa, passou a também trabalhar com a mãe. A irmã ficaria agora com uma avó e Suellen, de vez, fora da escola. 

Mais uma vez, a jovem é retrato de uma geração. De acordo com o relatório “Enfrentamento da cultura do fracasso escolar”, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), um dos principais motivos para o abandono escolar é a possibilidade de trabalho durante o horário regular de estudo. A piora da economia brasileira acentua esse cenário. Ao total, estima-se que mais de 5,5 milhões de crianças e adolescentes tiveram seu direito à educação negado em 2020.

Os planos de retomada econômica e reabertura de comércio devem ser acompanhados de estratégias para que uma geração não seja perdida e o trabalho de crescimento do acesso ao ensino, desenvolvido há trinta anos, não seja desperdiçado. Cidades como Rio de Janeiro e São Paulo junto com estados como o Maranhão, apresentam propostas de combate à evasão que vão desde uso de mídias digitais para aproximarem os alunos das escolas, envio de chips para acompanhar as aulas até busca ativa de jovens para que possam frequentar os colégios que já contam com aulas presenciais. Falta pactuação federativa para que essas experiências não sejam pontuais. 

Esse espaço pretende trazer radiografias dos principais desafios da educação, mas nunca esquecendo de valorizar boas experiências. É a marca do Futura que, antes mesmo da pandemia, trazia campanhas para a permanência de estudantes nas escolas como o #Nem1PraTrás. O convite é pensar junto sobre os desafios da educação, mas sempre com o foco no aluno. Suellen planeja voltar à escola no próximo ano e a sua retomada, como de outros 5,5 milhões de jovens, não pode ser baseada somente na sua vontade.

Raphael Kapa é jornalista e professor. Formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, professor de História pela Universidade Federal Fluminense, mestre e doutorando em História pela mesma universidade. Como repórter, já atuou na Band, Jornal O Globo e na Agência Lupa, onde atualmente é coordenador de Educação. Foi repórter da Lupa entre 2015 e 2016. Hoje, ministra as oficinas de checagem do projeto LupaEducação. E aqui escreve mensalmente sobre Educação.

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